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MAR DAS TRADIÇÕES

Praia do Mucuripe é ponto de história e resistência da pesca artesanal

Conhecido como “vila dos pescadores”, o bairro centenário ainda é polo de atividade pesqueira em Fortaleza

JONATHAN SILVA

6º semestre

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Modelo básico de embarcação que vai ao mar para pesca no estado do Ceará (Fotos: Jonathan Silva)

A rotina da praia do Mucuripe, mesmo com os grandes empreendimentos à beira-mar, continua sem grandes alterações. Pescadores ao mar em busca de peixes, marchantes comprando o pescado para revenda, carpinteiros reformando embarcações, donos de barcos retirando sua parte do aluguel das jangadas e marisqueiras (mulheres dos pescadores) servindo peixe frito e outras iguarias do mar em barracas improvisadas.


Nesse ambiente, os mais experientes se dedicam a um trabalho mais manual. O ex-pescador e carpinteiro naval Francisco Monteiro de Lima, 60, relembra do seu começo em uma época em que tudo era aprendido na base da observação e prática: “Sou de Aracati. Quando vim pra Fortaleza foi com meu cunhado, que já era profissional nisso. Comecei trabalhando ajudando ele. Fui vendo as coisas e aí pronto, comecei a trabalhar só”, recorda.


Homens e mulheres entre 40, 50 e 60 anos ocupam atividades no mar e terra. A pesca de fato não é o trabalho exclusivo. Os mais velhos, como Francisco, reconhecem que não há mais vigor para enfrentar o clima marítimo. “O mar hoje está muito difícil, muito bravo. Aí hoje tive que procurar a maneira mais fácil”, desabafa o carpinteiro.


O consenso geral é de que houve maior acessibilidade aos instrumentos de trabalho. Alexandre Monteiro, 52, começou na pesca adolescente. Ele considera que ficou mais fácil conseguir utensílios: “Do passado para agora, eu acho melhor agora. Tudo é mais fácil de resolver, antes era mais difícil, como comprar um anzol ou uma linha”.


É na região que se encontra mais pescadores com carteira assinada. Uma das conquistas que Possidônio Soares, presidente da Colônia de Pescadores Z-8, faz questão de relatar. Um pescador hoje com carteira assinada, treinamento especializado e, em dias com pagamento de mensalidades junto à Colônia, tem direito aos benefícios trabalhistas, como seguro-desemprego e aposentadoria.


“Se acontecer um acidente com o pescador e ele não tiver documento nenhum, a Colônia não pode encaminhar ele para Previdência Social. Ele tem que estar documentado pois em um dia de emergência ou problema de saúde ele tem o amparo da Previdência”, destaca Possidônio.


As modernidades, porém, não amenizaram a navegação. Para conseguir uma safra satisfatória, muitos barcos retornam depois de 3 dias em alto mar. Quando retornam, por volta das cinco da manhã, negociam sem muita formalidade o pescado na areia da praia para marchantes e moradores próximos. Os lucros são imprecisos, podendo variar entre 50 a 500 reais.

Devido a sua experiência com aluguéis de jangadas, Alexandre acredita no “fator sorte” para explicar o que acontece: “Eu tenho três embarcações dessas. Tiveram pescadores que passaram três dias e três noites no mar. Um vendeu 320, outro 210 e o outro vendeu 50 reais”. Os pescadores devem pagam parte do valor obtido com a venda para o proprietário do barco.

 

PERÍODOS DE TORMENTA


Não somente o Mucuripe se transformou, mas as relações de trabalho também não são mais as mesmas. É raro encontrar pescadores jovens em alto mar. Se antes a carreira começava na infância ou adolescência, hoje os pescadores nem pensam em ver seus filhos seguindo os mesmos passos dos pais.


De acordo com Saruanna Dias, mestranda em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), a comunidade, embora tradicional e sustentável, encontra dificuldades de repassar os ensinamentos às próximas gerações. Ela pesquisa sobre a luta pelo reconhecimento e manutenção dessas práticas no Mucuripe.


“No que se refere a redução da atividade pesqueira muitos deles relataram sobre a dificuldade da profissão: o pouco ganho, a dificuldade de ensinar o ofício - que antes acontecia já na infância e hoje não é mais permitido - e a concorrência com a pesca industrial e predatória”, analisa Saruanna.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



 

 

 

 

 

 

 

 

A pesca predatória, tida como desleal entre os pescadores, é também um dos fatores apontados como redutor da atividade pesqueira. “Esses barcos grandes inventaram um tipo de pesca que se chama viveiro, que tem um manzuá [rede de pesca] que, quando jogam no mar, o peixe entra e eles vão tirando até diminuir o peixe”, explica Alexandre Monteiro.


A pesca no Estado ainda está estagnada em uma fase “rústica”, como afirma Possidônio. Para ele, “nos outros países a pesca é levada a sério, o governo investe na pesca e tem retorno. Aqui não. Aqui a pesca ainda é incipiente e quase primitiva”. O líder é comparativo ao observar que “pescador do século 20 não difere do pescador do século 21”.


Mas isso significaria o fim da pesca artesanal? Alexandre é realista quando fala sobre a redução da profissão, mas não acredita no seu fim. “A pesca artesanal não acaba não, o que se acaba são os pescadores”, diz, em tom de brincadeira, fazendo relação com o desgaste físico dos trabalhadores. No fim das contas, a “conversa de pescador” soa nada inverossímil.

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Os pescadores Alexandre Monteiro e João de Preto trabalham na pesca e no reparo de barcos

Hoje como vendedor de peixe e marchant, Gerardo Viana começou na pesca

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